RESENHA: O Bispo - Ana Cristina Vargas

Aos que ousam amar, e especialmente aos que ousam ser livres e felizes.

Um passado escondido no século XVII volta à tona com força suficiente para mudar os sentimentos de um espírito atormentado por um segredo. Diante de seu mentor espiritual, o monsenhor Ricardo, o Bispo do Vêneto conta sua história.

" Ricardo acomodou-se no divã. Na parede à sua frente uma grande tela, onde surgiram as imagens do passado de Ricardo, e ouvimos sua voz emocionada narrar as próprias experiências".

Um homem de 30 anos, forte e fascinante. De caráter arrebatador e duvidoso. Orgulhoso e ambicioso ao extremo (queria ser o centro das atenções). Galgava postos e cargos no clero da igreja católica em troca de dinheiro. De família nobre era culto e inteligente. Amealhava fortuna como quem colhe flores do campo na primavera.

De seus lábios ouviam-se discursos belíssimos. Em confissão não havia outro mais clemente e benévolo com os fiéis. Crescia cada vez mais sua fama e seu poder e tornou-se invejado no clero.

Hábil orador, tanto em público como em particular, com o dom da palavra fácil e convincente, fez de Ricardo uma das maiores fortunas sob o manto da igreja.

Pouco olhava para os seus. Queria ter mais. Queria ser mais. Não impostava como.

Mas mesmo tendo o poder as mãos, Ricardo escondia sua tristeza, um segredo guardado a sete chaves. A homossexualidade. Um pecado aos olhos do mundo da época e da igreja.

Em quatro paredes de igrejas, mosteiros, conventos, colégios internos ... essa prática era constante. Um celibato pregado com veemência e rigor, mas que não era vivido por aqueles que juravam segui-lo.

E diante desses sentimentos reprimidos, que Ricardo, o Bispo do Vêneto se apaixona. Uma paixão não esperada, mas avassaladora que põe em risco sua fama.

Enzo, o jovem garoto órfão que Ricardo viu chegar quando era pequenino, puxado pela mãe para ser entregue aos cuidados da igreja. Um menino assustado, que Ricardo tomou pra si a responsabilidade de ser seu mentor espiritual, ensinando-lhe tudo que sabia, e que no decorrer do tempo, passa a crescer a relação de afetividade e confiança entre discípulo e mestre. Sem perceber, o bispo descobria na companhia do belo rapaz que se tornava a cada dia, sua capacidade de amar. Apaixonara por Enzo.

" A chama de amor passou a aquecer o coração do bispo, embora ele tenha admitido isso bem mais tarde. O bispo do Vêneto apaixonou-se pela primeira vez em sua existência."

" Ao ser auxiliado a paramentar-se para as cerimônias religiosas, serviço que o rapaz fazia questão de cumprir, o bispo descobriu-se sentindo prazer sensual ao toque das mãos do jovem em sua pele ao coloca-lhe o manto. Admirava-lhe os músculos bem desenvolvidos e delineados dos braços, quando eventualmente as longas mangas de sua batina subia um pouco lhe permitindo a visão dos membros superiores, e rendia-se ao prazer que os cuidados do jovem lhe ofertavam."

Apaixonado, o Monsenhor Ricardo se torna "menos" arrogante, a ponto de ver em Jacobino, frei do local, supervisor e educador dos menores órfãos, leal e puro de alma e coração, um ombro amigo. E aos poucos, Ricardo passa a admirar o homem que existe por trás do simples frei.

Frei Jacobino conhecia os sentimentos escondidos do bispo, mesmo que este nunca o tenha contado. Sem pudores e preconceitos, Jacobino regia sua vida, seguindo os ensinamentos de Jesus, e assim nunca recriminou Ricardo e Enzo por viverem uma história, mesmo que as escondidas.

"- A Convivência estreita com Jacobino me ofereceu elementos de melhora. Eu o invejava e o admirava, queria ter sua força e, dentro de minhas possibilidades, reconheci que ele era muito mais feliz do que eu, o poderoso superior."

Mas até que ponto os segredos interferem em nossas vidas? Até quando conseguimos esconder nossos sentimentos? 

Uma historia que te faz refletir sobre os acontecimentos expostos por Ricardo.

Intrigas, sedução crimes e poder são colocados o tempo todo nas páginas de O Bispo.

O livro é recomendado, mesmo que em alguns momentos a história se torna detalhista demais, o que torna a leitura um pouco "lenta". Mas vale a pena conhecer os segredos escondidos pelo clero do século XVII. O que talvez possa acontecer até hoje em alguns lugares.

"Como deve ser triste viver assim, sufocando a si mesmo, escondendo-se, amando e sofrendo em silêncio. 

Por que, Senhor, as pessoas ainda não compreenderam suas lições tão simples e seus roteiros tão seguros para nossa felicidade? 

Por que ainda vivem julgando umas às outras e impondo-se cadeias e gaiolas de conceitos vazios nas quais sofrem e até enlouquecem? 

Porque não aceitam, vivem e deixam os outros viver conforme suas necessidade e capacidades?

Quem somos nós, Senhor, ara querermos impor conduta aos outros?"