RESENHA: O Livro dos Negros - Lawrence Hill

"...Ás vezes, imagino o primeiro leitor que se deparar com a minha história. Será uma garota? Talvez uma mulher. Um homem. Um inglês. Um africano. Uma dessas pessoas encontrará minha história e a passará adiante. E então, creio, terei vivido por uma razão."

Difícil! Muito difícil colocar em palavras tudo que eu achei e acho desse livro. Com certeza O Livro dos Negros entra pro meu hall de melhores já lidos. Tem lugar cativo na estante e garanto que ainda vou me encantar com a história de Aminata Diallo muitas e muitas outras vezes... porque é uma leitura que pretendo repetir muito!

Aminata Diallo é uma daquelas personagens que além de fortes, marca sua história no coração do leitor. Não tem como ficar alheio a tudo que ela passa. Não dá pra deixar o livro encostado num canto, esperando uma outra oportunidade pra continuar a leitura... simplesmente se sente a necessidade de devorar cada página... não dá pra esperar! 

Com uma escrita leve e agradável, O Livro dos Negros não se tornou nem um pouco cansativa, pelo contrário, despertou ainda mais minha vontade de ler, com toda sua riqueza de detalhes, me senti vivendo junto da personagem. A vida de Aminata Diallo nos é apresentada em primeira pessoa. Uma escrita de pura sensibilidade. Parabéns ao autor Lawrence Hill e a Primavera Editorial por nós presentear com essa história incrível. Obrigado!

"Tenho a pele brilhante e escura... Meus olhos são difíceis de descrever, e eu gosto deles assim... Alguns dizem que tive uma beleza pouco comum, mas eu não desejaria beleza para nenhuma mulher que não tivesse sua liberdade, e que não escolhesse os braços que a abraçam."

O Livro conta a história de vida de Aminata Diallo. Uma mulher que tem sua vida marcada pela escravidão. Já na velhice, em Londres - 1802, ao lado de um grupo de abolicionistas, que lutam pela liberdade dos negros, ela mesma nos conta toda sua trajetória de vida desde a infância.

Quando ainda tinha 11 luas (11 anos), Aminata foi sequestrada da aldeia de Bayo, no oeste da África, por traficantes de escravos. Ela viu seus pais serem mortos e outros de seu povo sendo também escravizados. Acorrentados, caminharam sem parar rumo a um destino de total sofrimento. 

No decorrer do caminho, Aminata via outras pessoas se juntarem ao comboio de prisioneiros. Nus e descalços, cada um sofria a sua dor em silêncio, na esperança de que fossem salvos.

"Andamos por muitos sóis, aumentando em número lentamente. Seguíamos em frente, desajeitados, até somarmos uma cidade inteira de pessoas sequestradas. Passamos por aldeia após aldeia, cidade após cidade. Todas as vezes, as pessoas se apinhavam para olhar para nós. Inicialmente, eu acreditava que os aldeões vinham para nos salvar porque, com certeza, opunham-se a este ultraje. Mas eles apenas olhavam e, às vezes, traziam para os captores carne assada em troca de conchas cauri e cristais de sal." 

Ao embarcar em um navio negreiro,marcada a ferro no seio, Aminata não imagina a tudo que teria que se submeter para continuar viva. Entre doenças e pestes de todo tipo, a inocente criança que só conhecia o amor dos pais e de sua tribo tinha que aprender a lutar a cada dia por sua liberdade. Entre Toubabus (brancos) desumanos e cruéis, Aminata via sua gente faminta e sedenta, sendo cada vez mais torturados e massacrados, morrendo e apodrecendo nos porões fedorentos e imundos. Teve que aprender a ser interprete entre os traficantes e os escravos, e assim, foi sobrevivendo até chegar em terra firme... Ouvindo muito e falando apenas o necessário. 

Aminata Diallo foi vendida a um senhor, dono de uma plantação de índigo na Carolina do sul. Trabalhando de sol a sol, ela sonhava com o dia de poder voltar a sua terra. Conheceu muitas pessoas, boas e más. Dia após dia sua inocência ficava para trás. Foi ali que Aminata passou a ser Meena Dee.

"... Nesta nova terra, eu era africana. Nesta nova terra, eu tinha um nome diferente, dado por alguém que não me conhecia. Um novo nome para a segunda vida de uma menina, que sobrevivera à travessia do grande rio."

De grande inteligência, aprendeu com uma senhora a curar com as ervas e com um capataz a ler. Mas sua vida na lavoura não era fácil, ainda mais para uma criança que estava se tornando uma bela mulher. Cobiçada por seu dono, Aminata sofreu abusos e torturas, até ser novamente vendida. 

"...Como ele veio a se tornar meu dono, e de todos os outros? Perguntei-me se ele seria meu dono o tempo todo, ou apenas quando eu trabalhava para ele. Seria ele meu dono enquanto eu dormia? Ou sonhava?" 

E a cada novo senhor, mais torturas e humilhações Aminata vivia. Em meio aos sofrimentos e percalços, também  novas coisas ela ia aprendendo. A escrever, a falar outras línguas, a se comportar e até aprender a ler mapas e descobrir onde ficava sua terra. Assim, com todo o conhecimento adquirido, Aminata se tornou autodidata, uma mulher valiosa e de grande utilidade para seu povo e os Toubabus.

Mas ela queria voltar. Ver sua gente. Com essa busca incessante, ela se torna livre. Livre pelas leis americanas, mas não livre para ditar as regras de sua própria vida.

"... Os abolicionistas podem até me chamar de sua igual, mas seus lábios ainda não pronunciaram meu nome e seus ouvidos não ouvem minha história".

Com toda a certeza, este é um daqueles livros em que a história nos faz refletir sobre a humanidade. Em quantas pessoas foram e são submetidas a escravidão até os dias de hoje.
Como o trabalho infantil em várias regiões pobres do nosso planeta. O tráfico de mulheres e crianças para alimentar a podridão da industria do sexo fácil. O trabalho escravo de muitas pessoas, que se submetem a mão de obra barata e sem nenhuma condição humana.
E quantos outros poderiam ser ditos, lamentados e chorados, por viverem a base de torturas, sofrimentos e escravidão.
Livros que trazem o leitor à reflexão é acima de tudo um bem maior que temos que cultivar. Sempre!

*** O Livro dos Negros é o maior documento único sobre os negros da América do Norte até o final do século XVIII. Contém os nomes e os detalhes de 3 mil homens, mulheres e crianças negras, que, após morar ou servir junto às linhas britânicas durante a Guerra Revolucionária Americana, viajaram da cidade de Nova Iorque para diversas colônias britânicas. Embora alguns tenham ido para a Inglaterra, Alemanha, Quebec ou Nova Escócia.

A Obra marcante e inesquecível tornou-se uma minissérie de sucesso nos Estados Unidos, dirigida e escrita por CLEMENTE VIRGO (THE WIRE) e protagonizada pela atriz Aunjanne Ellis e Cuba Gooding Jr, vencedor do Oscar em 1996.

Leia os primeiros capítulos: Clique Aqui

(Quando eu digo na resenha que Aminata se torna livre, eu não estou dando um spoiler, porque já no comecinho do livro vocês vão saber mesmo rs)

www.primaveraeditorial.com